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Doces, Bacon e Diamante

 Toda manhã acordo morrendo de preguiça de sair da cama e, como em um ritual matinal, abro um dos olhos, viro-me para a janela e deparo com uma manhã fria e chuvosa, na maioria das vezes. Em Dublin, não importa a estação do ano, sua manhã raramente será diferente.

Depois de perder uns bons minutos escolhendo o que vestir, amarrar e soltar os cabelos sem saber o que fazer com eles, vou até a cozinha para tomar um rápido café junto com Bacon, meu gato — que come sua ração sem muita vontade — e fico imaginando como seria comer a mesma coisa todo santo dia. Quando retorno dos meus pensamentos, vejo que estou em cima da hora. Já prevendo o trânsito que vou pegar, procuro meu celular — que novamente me esqueci de carregar –, as chaves de casa, do carro e a minha bolsa e saio apressada de Terenure, onde eu moro, a caminho da CupCandy, uma singela doceria que tenho em parceria com minha irmã Laura, no centro de Dublin.

Minha irmã é quatro anos mais velha do que eu e é exatamente o oposto de mim. Laura é loira, tem a estatura baixa, é meio gordinha (não comentem isso com ela) e tem lindos olhos cor de mel. Ela é mãe de duas meninas gêmeas, Mandy e Sophie, de 3 anos, e é casada com Ronan Banfield, que por anos foi nosso vizinho. Eles se apaixonaram logo que Ronan se mudou para nossa vizinhança, há uns 13 anos, e, desde então, estão juntos. Eu sempre digo a eles que um dia vou ter uma família assim — uma família feliz de porta-retrato. É lindo de ver.

Eu, ao contrário de Laura, tenho os cabelos castanho-escuros, olhos verdes, estatura alta e estou com um físico melhor do que o dela — adquirido na base de muitas corridas, dietas e essas coisas que odiamos fazer. Fisicamente eu e Laura somos tão diferentes que até poderíamos fingir não sermos irmãs, se não fosse pelo mesmo temperamento que herdamos do nosso pai, o explosivo Sean O’Donnell.

Nosso pai é irlandês e, quando jovem, mudou-se para o Brasil a trabalho e acabou se apaixonando e casando com minha lindíssima (e maluca) mãe, Sandra Dias. Depois de muita conversa, mudanças de planos e de empregos, eles resolveram se mudar do Rio de Janeiro para Dublin quando ainda éramos crianças; na época eu tinha apenas 7 anos e Laura, 11. Nunca tivemos problema em aprender a língua inglesa, porque nosso pai sempre fez questão de nos ensinar desde crianças, mas adaptarmo-nos ao frio, bom, já não posso dizer o mesmo — sempre é um horror sair da cama.

Quando adultas, eu e Laura decidimos abrir a doceria juntas porque, modéstia à parte, nós sempre fomos prendadas para fazer quaisquer tipos de bombons, bolos ou sobremesas. Com certeza esse dom carregamos de nossa avó paterna, que sempre preparava receitas deliciosas para nós duas. A lembrança mais doce que tenho de minha avó é o seu olhar ansioso por um elogio, logo depois que ela inventava uma nova sobremesa (sim, éramos suas cobaias) e seu cheiro de canela, que era um dos seus toques secretos.

​

* * *

Chego à doceria atrasada. Entrando pela loja, comprimento apressadamente Tracy Barry, nossa balconista da CupCandy que está com o cabelo azul dessa vez. Na verdade, toda semana ela muda a cor (o que me faz lembrar um cupcake gigante). Acho muito divertido o estilo da Tracy, ela adora maquiagem forte, sempre usa cílios postiços de fazer inveja a qualquer travesti, usa vários acessórios ao mesmo tempo e, claro, sempre equilibrada saltos que desafiam a gravidade. Ela tem 19 anos e é a melhor balconista que já tivemos, sempre pontual (ao contrário de mim), organizada, bem humorada e os clientes adoram a sua simpatia e seu jeito divertido.

Seguindo-me pela loja adentro, Tracy fala apressadamente:

– Lia, Alex ligou para você há um minuto. Ele parece ansioso em lhe contar alguma coisa — ela me dá uma piscada e um sorriso irônico enquanto me passa o telefone.

Retribuindo o olhar irônico pego o telefone.

– Obrigada, querida, vou atender na cozinha. Mais algum recado?

– Por enquanto só.

Ela volta para o balcão rodopiando e fazendo uma mistura de barulhos de salto alto com pulseiras. 

​

* * *

Eu e Alex Diamond somos amigos desde a época do colégio. Ele sempre foi o aluno mais querido dos colegas, dos professores e, claro, das meninas. Eu fazia parte desse último grupo, mas, como ele nunca me notava do jeito que eu queria, acabei me contentando em ser sua melhor amiga. Sim, pessoal, vivo na friendzone; é triste, eu sei, mas gosto desse posto porque ele confia em mim mais do que em qualquer namorada que já tenha passado em sua vida e, confesso, adoro vê-las com ciúmes de mim.

 Alex Diamond é americano, mudou-se com o tio, o sr. Diamond, para Dublin quando tinha 8 anos de idade. Foi o sr. Diamond quem o criou depois que seus pais morreram em um terrível acidente de carro, um ano antes de eles se mudarem para cá. Alex foi o único a sobreviver — ele saiu do carro totalmente ileso e tentou, em vão, salvar a vida dos pais, já falecidos. Foi uma fase dura para Alex, que, de repente, viu-se órfão e descobriu que teria de amadurecer mais cedo. O sr. Diamond, sem filhos e irmão mais velho do pai do Alex, acolheu-o e lhe deu amor e carinho. Apesar de naquela época já ser um empresário bem-sucedido, viu que um filho era o que faltava em sua vida. Então, os dois se mudaram para Dublin, para deixar para trás toda aquela triste lembrança e começar uma nova vida. Em uma das poucas vezes que Alex tocou nesse assunto, ele me confessou que não se lembrava mais do rosto dos pais, e por isso se sentia culpado.

 Alex chegou muito fragilizado à escola e eu fui a primeira criança a se aproximar dele. A gente se protegia quando outras crianças diziam que nós éramos estrangeiros (na verdade elas nem sabiam o que “estrangeiros” significava, então associaram a alguma coisa ruim) ou diziam que falávamos diferente, ou que ele era órfão. Isso fez nos tornarmos praticamente inseparáveis, pois, verdade seja dita, crianças às vezes sabem ser cruéis.

 Para mim, não existe homem mais bonito do que Alex, além de ter um humor que faz todos quererem estar perto dele — e, claro, também ser extremamente educado e gentil –, ele possui aquele físico perfeito que faz tanto mulheres quanto homens admirá-lo por onde passa. Seus cabelos negros e seu par de olhos azuis hipnotizantes têm grande peso nisso, sem contar o seu lindo sorriso. Ah! Esse sorriso que até hoje me deixa sem conseguir encará-lo nos olhos direito…

Digito um número que está memorizado em minha cabeça (confesso que com o número dos meus pais não tenho a mesma facilidade). Após o terceiro toque ele atende.

– Olá, sra. O’Donnell, está tudo bem com você nesta manhã gelada?

– Oi, meu bem, estou sobrevivendo. Qual a novidade logo tão cedo?

– Quero saber se você está livre hoje à noite?

– Estou, sim.

– Então coloque um vestido bem bonito que hoje vamos a um jantar que meu tio está promovendo pela nossa empresa.

– Achei que você não fosse me convidar — falo em tom de brincadeira — escutei por aí alguns boatos de que teria esse tal jantar.

Ouço a risada dele do outro lado da linha

– Pelo visto eu estou sendo testado! É claro que eu iria te convidar, liguei mais cedo e convidei sua irmã, mas você ainda não tinha chegado.

– Você e essa sua mania de fazer convites em cima da hora! Isso é muito perigoso, Alex, imagina se eu já tivesse um compromisso ou, pior, não tivesse o que vestir? Ainda bem que tenho um vestido lindo que nunca usei, acho que ele é perfeito para essa ocasião — na verdade comprei o vestido para usar nesse jantar, já tinha recebido o convite do sr. Diamond semanas antes.

– Mulheres, sempre com essa eterna e boba preocupação com o que vestir, enfim… Lembra do Zachary Connolly? Aquele meu amigo que trabalha comigo? Desde daquele dia que lhe mostrei a sua foto ele quer te conhecer, finalmente vou te apresentar a ele.

– Ah, que legal! — dou uma falhada na voz. — Também quero conhecê-lo.

– Que bom, então hoje às nove da noite passo na sua casa. Bom trabalho, Lia, tenho que desligar. Beijos!

Desligo o telefone meio tonta, sem acreditar que ele quer me empurrar para um amigo.

​

* * *

Vivo essa paixão desde quando deixei de ser criança. Comecei a notar Alex de uma forma bem diferente do que antes e me dei conta de que ele tinha olhos encantadores e uma boca que parecia me provocar a cada sorriso. Quando ele sentava ao meu lado, comecei a reparar que meu coração disparava e a cada vez que eu ia a escola deixava minha mãe louca porque queria me maquiar para ficar mais atraente para ele. Como tínhamos uma conexão inexplicável, era natural nós nos tornarmos namorados quando adolescentes, mas isso nunca aconteceu, nem mesmo um beijo, nada. Eu não entendia qual era o problema, sempre fui elogiada pelos rapazes da escola e nunca tive problema com minha aparência. Cheguei até a pensar que ele fosse gay, mas aí apareceram as namoradas — uma mais linda que a outra (uma das piores fases da minha vida) — e eu fui cada vez me contentando em tê-lo só como amigo, já que eu sabia que não conseguiria ficar longe dele. Porém, quando terminamos o colégio, Alex voltou para os EUA, e viveu por lá por longos oito anos. Ele me fez passar pela fase de filmes românticos, regados de muitos doces, lágrimas e revolta. Mas, mesmo distantes, a gente sempre dava um jeito de se falar pelo menos uma vez por mês, ou por cartas (que guardo até hoje) ou por deliciosas horas no telefone.

Nesse período eu tive meus namorados e vários pequenos casos; na verdade, nunca me bloqueei por conta da minha paixão pelo Alex Diamond. Sempre soube que deveria seguir em frente, mesmo fazendo a triste comparação entre ele e os outros rapazes.

Mas, quando Alex voltou para Dublin — há 3 anos –, minha paixão também voltou à tona com força total e tudo piorou, porque o tempo passou, apareceram-me celulites, estrias e uma bunda enorme e o Alex ficou cada vez mais lindo, uma coisa que eu não imaginava ser possível. O que já era lindo melhorou: o olhar azul hipnotizante ficou mais sexy, o sorriso largo contagiante ganhou um pouco de canalhice e, por conta da natação — que ele sempre praticou –, herdou lindas costas largas e um peitoral de desconcentrar qualquer mulher. Ah! O peitoral, quantas vezes me imaginei deitada nele! O tempo… Sempre favorecendo os homens!

​

* * *

 Minha irmã Laura me desperta dos meus pensamentos.

– Você não desiste, não é, Lia? Odeio te ver com essa cara de decepção. O que foi desta vez?

– Minha irmã, seja sincera comigo… — faço uma pausa dramática para prender a atenção de Laura, que recheava os bombons de cereja. — O que eu faço para agarrar Alex de vez? Você conseguiu se relacionar tão fácil com Ronan! Por que eu não consigo fazer o mesmo?! — dou meia volta e me sento em uma cadeira perto de Laura. — Uma vez, quando nós éramos pequenos, as outras crianças da escola começaram a cantar em coro, para toda a escola ouvir, que nós éramos namorados. Eu achei o máximo, mas ele saiu correndo chorando, Laura, chorando! Será que até hoje ele me acha tão… sei lá, repugnante?

Laura solta uma gargalhada.

– Qualquer menino normal iria chorar se as outras crianças fizessem isso. Você sabe como é essa fase — Laura sorri para mim, deixando os bombons por um instante de lado. — Eu já te contei que uma vez eu briguei com nossos pais porque eu achava que eles tinham sido injustos em ter dado tanta beleza para você e nada para mim? — Laura começa a rir. — Mas, ainda bem que o tempo passou, eu melhorei bastante e ainda fiquei sendo a mais legal da família, enfim — ela me olha docilmente — você se tornou uma mulher tão linda, minha irmã, que eu morro de orgulho e ainda é uma ótima profissional, tirando esses atrasos que eu tenho vontade de te matar. Mas… Lia, eu realmente acho que você deveria desistir. Se não aconteceu nada nestes últimos anos, desde quando ele voltou, não vai ser agora. Escute a sua irmã, ou você vai acabar se machucando bastante com essa história.

– Como assim desistir?! Eu não vou desistir, Laura… Nós estamos falando do Alex Diamond, do meu Alex! É o nosso destino ficarmos juntos, nos casarmos, termos trigêmeos, brigarmos por conta do lixo que ele não levou para fora, decidirmos juntos qual vai ser o papel de parede do quarto do pequeno Michael… Essas coisas! E eu não vou desistir disso!

Minha irmã fica me encarando com uma careta engraçada e logo começamos a rir da minha fértil imaginação.

– Tudo bem, sra. Diamond — Laura joga em meu colo o avental e me passa a lista de encomendas — agora comece a preparar a massa dos cupcakes porque para cuidar de trigêmeos é bom já começar a fazer um bom pé-de-meia.

Com o pensamento em Alex, começo a trabalhar no modo automático, lembrando da nossa conversa ao telefone — ele está me empurrando para um amigo, meu Senhor! Como ele pode ser tão lerdo desse jeito?! Tudo bem, porque eu sei que, no fundo, bem lá no fundo, bem no fundinho, ele sente o mesmo que eu, só que ainda não sabe. Eu sei que ele morre de ciúmes de mim, sempre foi assim… Ou será que não? Será que não sente nada por mim? Será que só me enxerga como uma amiga ou, pior, como uma irmã de criação?! Argh! Não pode ser! Eu tenho que abrir o jogo para ele ou vou acabar enlouquecendo.

De umas semanas para cá Alex vem me falando sobre esse tal de Zachary Connolly. Ele também trabalha na empresa do sr. Diamond, a Diamonds, uma consagrada empresa de marketing, que tem como clientes várias grandes multinacionais. Alex é um dos representantes da empresa e por conta de sua simpatia e boa lábia sempre consegue fechar contratos milionários com a maior facilidade. Já Zachary Connolly é um dos publicitários, e um dos melhores, na opinião de Alex. Por conta disso, os dois sempre estão viajando ou em reuniões intermináveis que eles adoram.

Em uma de nossas conversas, Alex me contou que mostrou para Zachary uma foto que eu tirei com o celular dele no dia em que o esqueceu aqui na doceria. Na foto, eu segurava um cupcake do Bob Esponja que tinha acabado de confeitar. Confesso que dei uma caprichada no cabelo, para que Alex reparasse em mim de alguma forma, mas ele só comentou, admirado, como eu fizera um Bob Esponja fiel ao personagem.

​

* * *

Depois do trabalho volto correndo para casa. Tinha de me arrumar “divinamente” para o tal jantar. Chegando a minha casa, sou recebida pelo Bacon, que com o seu jeito preguiçoso vem me cumprimentar enroscando-se em minhas pernas e quase me derrubando.

Bacon é um vira-lata que adotei há uns cinco anos, o gato mais companheiro que alguém que mora sozinha poderia ter. Dei esse nome a ele porque, no primeiro dia que o trouxe para casa, ele comeu uma peça inteira de bacon, que deixei em cima da mesa. Ele vomitou por três dias seguidos e eu fiquei meses sem conseguir comer qualquer coisa relacionada a bacon.

* * *

Depois de um banho bem caprichado e de vestir meu novo longo preto, fico à espera de Alex. Escuto seu carro parando em frente da minha casa e ele toca a campainha pontualmente às nove horas. Saio correndo para abrir a porta mas tropeço sem querer no Bacon, que solta um miado assustado. Eu caio de joelhos, toda desajeitada, ao chão e escuto Alex rindo pelo lado de fora. Tentando fingir que estava tudo bem — e que não queria rolar no sofá, dando gargalhadinhas de dor por conta do meu joelho que latejava — abro a porta para Alex, que ainda continuava rindo.

– Esse gato um dia vai te matar! — ele pega o Bacon no colo e lhe faz um carinhos na orelha.

– Na verdade, eu é que vou acabar o matando se continuar pisando nele assim, tadinho!

– Desculpe por estar rindo, mas eu vi sua queda pelo reflexo da cortina da janela e, sim… foi ridícula!

– Ah, que vergonha! — coloco a mão no joelho que estava doendo horrores. — Tem alguma chance de você não contar isso para ninguém?

– Meu tio vai adorar saber disso, pena que não filmei.

Ele solta o Bacon, que agora começa a roçar suas pernas.

– Deixa eu ver se você se machucou.

Ele se ajoelha e levanta a barra do meu vestido até a altura do meu joelho, passando uma das mãos em minha perna dolorida, fazendo-me arrepiar até a nuca.

– Não está parecendo que foi grave, talvez fique um pouco roxo — ele se levanta e me encara por alguns segundos com seus olhos hipnotizantes e eu sinto meu coração disparar. — Aliás — Alex continua — você está linda! Isso tudo é para o Connolly?

– Ah! Obrigada! — falo superdesconcertada e penso “na verdade é para você, idiota!”. — Você também está ótimo!

– Obrigado! Você deveria usar mais esse vestido — ele me dá um sorriso largo. — Vamos?

Segurando uma das minhas mãos ele abre a porta do carro para mim.

– Realmente você está muito linda, sra. O’Donnell — Alex retorna a me elogiar.

Meu Deus, será que eu nunca vou me acostumar com isso? Toda vez que recebo elogios vindos do Alex fico igual a uma idiota, sem saber como agir. Resolvo mudar de assunto.

– Esse seu amigo, Zachary Connolly, ele não é nenhum assassino psicopata, que está obcecado por mim? Por favor, Alex — falo com um ar de sarcasmo — já tenho muitos problemas na minha vida.

– E você acha que eu deixaria um sujeito desses se aproximar de você? Não se preocupe, ele é bem inofensivo e, por mais que eu saiba que ele não faz muito seu tipo, prometi que iria te apresentar a ele, relaxe.

– Então me responda, sr. Sabichão, qual é o meu tipo?

– Garotinhos, clones do Justin Bieber — e ele solta uma gargalhada contagiante.

– Não é justo, Alex, aquele projeto de Justin me beijou porque eu estava bêbada por sua culpa! — tento segurar minha risada. — Palhaço!

– Culpa minha? Eu não fiz nada!

– Mas você praticamente me obrigou a virar aquelas tequilas com você e eu tinha te avisado que era fraca para beber tequila! E também foi você que apareceu andando com o garoto pelo pub, falando para todo mundo que tinha achado o Justin Bieber e que ele agora era seu melhor amigo.

Soltamos várias gargalhadas e Alex continuou:

– Sua maluca! Beijoqueira de garotinhos!

– Não foi minha culpa! O garoto me atacou e você demorou horas para me ajudar, depois ficou rindo igual a uma hiena o resto da noite, que raiva! — dou um soquinho no ombro dele.

– Poxa, Lia! Eu também não estava muito normal e, quando voltei do banheiro, ele já estava te atacando. Quando eu coloquei o garoto para correr, ele me disse que achou que você estava a fim dele — gargalhando do jeito que eu adoro, ele continua. — Não tinha como eu não te zoar daquilo, desculpa.

Depois de rirmos até as lágrimas caírem, ficamos um tempo em silêncio, quando resolvi mudar de assunto.

– O que devo esperar desse jantar?

– Não se preocupe, desta vez não vai ter garotos tipo Justin Bieber aproveitadores — ele me dá uma piscada. —â€ŠÉ um jantar beneficente que meu tio está promovendo, junto com outros grupos e empresas, para arrecadar fundos para o novo hospital do câncer que vai abrir daqui a uns meses em Dublin.

– Sr. Diamond sempre teve um grande coração, apesar de ter a aparência de mal-humorado.

– Mas ele é mal-humorado — ele abre um sorriso — e é o pesadelo de muita gente. Brincadeiras à parte, ele é a melhor pessoa que já conheci — Alex fica um pouco pensativo — ele é único.

Poucos minutos depois, mal me dou conta de que Alex já havia chegado ao local do jantar beneficente.

Na porta do restaurante, um elegante senhor checa os nossos nomes na lista de convidados e logo depois faz um gesto para entrarmos. Todos os convidados já estavam presentes e eu me senti um pouco intimidada porque não conhecia ninguém ali e, infelizmente, minha irmã não pôde vir por conta de uma súbita dor de barriga que atacou Mandy logo depois que ela voltou da escola.

Entre os convidados, avistei o sr. Diamond que, como sempre, estava bem elegante. Fomos ao encontro dele; apesar de estar um pouco ocupado, deu-nos a maior atenção.

– Lia, quanto tempo que não a vejo! — ele me dá um abraço paternal. — Você está linda.

– Obrigada, sr. Diamond. Muito bonita essa sua iniciativa, faço questão de fazer minha contribuição em nome da CupCandy.

– Muito obrigado, querida, é muita gentileza de sua parte. Alex — ele se vira para o sobrinho — quando é que você vai pedir essa belíssima mulher em casamento?

Eu e Alex nos entreolhamos e pela primeira vez vejo Alex sem saber o que dizer. Mas, sem perceber o desconforto entre nós dois, o sr. Diamond continua.

– Você é maravilhosa, Lia, é a minha favorita — e ele se vira para Alex. — Filho, quero te apresentar ao sr. Grew, o presidente do grupo Nash. Foi um enorme prazer revê-la, daqui a pouco lhe devolvo o seu namorado.

Os dois saem juntos ao encontro do sr. Grew e antes que eu pudesse ir para as nuvens e fazer a dancinha da vitória pelos comentários do sr. Diamond escuto Alex dando uma leve bronca no tio: “Não faça mais isso, tio! Você deixa a mim e a Lia constrangidos, você sabe muito bem que ela é só a minha amiga!”.

Logo após ouvir o que Alex acabara de dizer, sinto como se tivesse levado um soco na boca do estômago; ele só não saiu correndo chorando — igual quando éramos criança — porque agora era adulto e seria ridículo, mas senti que ele ainda carregava o mesmo pavor em ser chamado de meu namorado. Encosto em um canto querendo sumir dali, sentindo-me ridícula vestida naquela roupa, que só comprara para impressioná-lo.

Repito a frase do Alex fazendo uma careta, esquecendo que alguém poderia me ver ou ouvir:

– Você me deixa constrangido… Ela é só minha amiga… Idiota! Preciso beber alguma coisa urgente!

Vejo meu nome em umas das mesas, o que significava que eu deveria me sentar ali. Cinco simpáticos senhores engravatados que estavam sentados à mesa se levantaram quando me sentei e eu super me senti importante na hora. Depois de beber e conversar com os senhores engravatados — uma conversa que particularmente estava achando chata pra cacete — reparo que um rapaz loiro e de estatura baixa me observava como se eu estivesse em câmera lenta. Depois de olhar várias vezes para os pés, para os lados, ele caminha em minha direção e, antes de se apresentar, eu já sabia de quem se tratava.

– Oi, eh… Tudo bem? Posso me sentar ao seu lado?

– Ah! Claro que sim! — eu sorrio para o rapaz que fica instantaneamente vermelho.

– Aliás, meu nome é Zac, Zachary Connolly.

– Olá, Zachary! — eu sabia! — Sou Lia O’Donnell, sou amiga do Alex Diamond — só a amiga dele, e a frase volta a ecoar na minha cabeça. — Muito prazer!

– Pode me chamar de Zac.

Ele me dá um aperto de mão e seus doces olhos verdes brilham de forma tímida, o que eu acho graça imediatamente.

– Eu a reconheci pela foto que o Alex me mostrou — ele me diz timidamente — você é muito mais bonita pessoalmente.

– Ah, que fofo! — droga, Lia, não chame o rapaz de fofo! — Obrigada, é muito gentil de sua parte.

Ele é impressionantemente tímido e encantador. Acho que reuniu todas as forças do corpo para puxar essa conversa comigo. Zachary é aquele tipo de homem bonito, mas não tem aquela “coisa” que eu não sei definir que o Alex tem de sobra. Continuamos a nossa conversa:

– Então, o que você achou do Bob Esponja da foto?

“Pelo amor de Deus, Lia, que pergunta idiota foi essa?!”, penso

– Fiquei impressionado com sua habilidade. Aliás, um dia quero conhecer a sua loja.

– Vai ser um prazer recebê-lo.

Ficamos calados por longos e constrangedores segundos. De repente escuto a voz do sr. Diamond, um pouco atrás de nós, chamando por Zachary.

– Se me der licença tenho que ir falar com o sr. Diamond, foi um prazer conhecê-la.

Ele me dá um sorriso e vai de encontro ao sr. Diamond, que estava com a cara vermelha de tanto conversar. Observo Zachary caminhando meio atrapalhado pelo salão, sabendo que meus olhos o acompanhavam.

Fiquei sozinha por quase dez minutos — quando digo sozinha quero dizer sem o Alex. Quando os garçons começam a servir a entrada, finalmente Alex senta ao meu lado.

– Desculpe-me Lia, hoje está uma loucura. O jantar beneficente está quase virando um jantar de negócios. Desculpe novamente, não queria te deixar sozinha — ele beija uma das minhas mãos — eu estava te procurando para me acompanhar, mas vi que você estava conversando com outras pessoas. Inclusive — ele dá um sorriso torto — eu vi você conversando com Zac.

– Ah, sim! Ele é um fofo, um pouco tímido, mas fofo.

– Ele só é tímido com as mulheres, principalmente com as bonitas — ele me dá uma piscada e meu coração para por três segundos. — E não chama o Zac de fofo, é a mesma coisa de chamar o cara de… sei lá… bobão! Enfim, mas queria ter ouvido a conversa de vocês, ele morrendo de vergonha e você com esse jeitão.

– Que jeitão? — olho surpreendida para Alex.

– Ah! Você sabe, esse jeito Lia de ser.

– Tá, eu sei, eu sou a rainha do blá-blá-blá, mas não tenho nada de “jeitão”. E, para falar a verdade, eu quase nem falei nada com ele, por pura falta de assunto.

Ele pega uma taça da mesa e ri:

– Olha, então suas poucas palavras deram efeito, porque o Zac me disse que te achou incrível.

– Sério?! — respondo surpresa. — Não te disse? Ele é um psicopata.

Soltamos a nossa habitual gargalhada (como é bom rir com ele!) e nessa hora Zac se senta à mesa.

O jantar é servido e estava tudo tão delicioso que minha vontade era de comer desesperadamente como um bisão faminto, pois não tinha colocado nada na boca desde o trabalho, mas tinha que manter a postura de mulher fina.

– Alex me disse que você é brasileira — Zac me olha curioso — mas você não parece brasileira, digo… geralmente as latinas são mais morenas e têm olhos castanhos.

– É só olhar para a bunda dela que você vai ver que é brasileira! — diz Alex sem pensar duas vezes, mas logo em seguida tenta consertar a gafe. — Mas, assim, no melhor sentido… Sua bunda é bonita, não feia, ela chama a atenção no sentido bom…

– Cala a boca, Alex! — digo fuzilando-o com o olhar.

– Tudo bem. Me ignorem, eu sou um babaca — ele tenta em vão segurar o riso.

– Respondendo à sua pergunta, Zac, e desta vez, espero, sem comentários idiotas — olho para Alex que ainda estava rindo. — No Brasil não existe bem uma raça definida. Lá você encontra negros, orientais, pardos, brancos, todos brasileiros. Pode ter certeza que eu não sou uma exceção, existem muitas mulheres brancas no Brasil.

– Eu tenho vontade de conhecer o Brasil. Tenho uns amigos que foram para o Rio de Janeiro se não me engano e me disseram que não existe nada igual. Desde então fiquei com vontade de ir.

– Eu sou do Rio, mas tem bastante tempo que não volto para lá. A gente podia viajar juntos, que tal?

– Seria um prazer!

Alex dá uma tosse fingida.

– Você também está convidado para nossa viagem.

​

* * *

Terminado o jantar, o sr. Diamond vai até o microfone agradecer a presença dos convidados e também agradecer as contribuições daquela noite. Alex me convida para acompanhá-lo até um grupo de senhores que queriam continuar a falar sobre negócios e também para me apresentar a outros amigos do trabalho. Estava me sentindo a mulher dele e fiz questão de ser educada e simpática com todos.

– Já quer ir embora ou quer ficar mais um pouco? — Alex me pergunta depois de finalmente terminar a conversa com os amigos.

– Vamos ficar mais um pouco, está tão bom aqui!

– Então… pelo visto você e Zac já têm até uma viagem marcada. Não imaginei que vocês fossem se dar tão bem assim.

– E por que não?! — fico surpresa por Alex relembrar desse assunto e eu resolvo dar uma leve provocada. — Ele é bonito, inteligente e extremamente educado.

Alex espreme os olhos para mim e de repente observamos que algumas pessoas dançavam ao nosso redor. Do nada Alex me fita com aquele seu olhar hipnotizante e me puxa pela cintura junto ao seu corpo. Tento controlar a batida do meu coração, com medo do Alex sentir toda aquela turbulência. Sem dizer nada, abraçados um ao outro, aproveito cada segundo para sentir seus braços segurando firme minha cintura, minhas mãos em suas costas largas… O seu rosto contra o meu, consigo até sentir seu doce hálito no meu rosto (meu Deus, como alguém pode ser tão atraente assim!), estamos com os olhos nos olhos quando de repente sr. Diamond e Zac se aproximam de nós, quebrando todo o encanto.

Alex, meio desconcertado, pega uma de minhas mãos e a oferece ao amigo. Olho para Alex e depois para o Zac e faço que “sim” com a cabeça — supercontrariada, claro — porém, ao mesmo tempo, querendo colocar minha cabeça em ordem.

O sr. Diamond estava acompanhado de duas senhoras. Uma delas aperta a bochecha de Alex — como se ele fosse uma criança de três anos — falando repetidamente “Como você cresceu!”. Reparo a distância que Alex troca alguns olhares comigo.

Sem perceber minha momentânea desorientação, Zac começa a conversar comigo, mas não absorvo nenhuma palavra que ele dizia. Era como se meu raciocínio tivesse parado de funcionar, pois só ficava me lembrando da minha dança com Alex (o que foi aquilo, a gente quase se beijou, mas será que ele queria me beijar mesmo?) e acabo percebendo que Zac me olhava como se tivesse acabado de me fazer uma pergunta.

– Desculpa, Zac, mas estava prestando atenção na música — tento disfarçar — você pode repetir sua pergunta?

– Eu que me desculpo, acho que estou te incomodando.

Zac dá um passo para trás e se vira para ir embora, mas sem pensar duas vezes eu lhe dou um abraço e vejo que ele fica surpreso com minha reação (na verdade eu estava totalmente apavorada e não queria por nada ficar sozinha naquele momento).

– Você está bem?

– Não! — digo ainda meio zonza. — Se você não se importar, Zac, vamos nos sentar um pouco?

Zac me acompanha até a mesa e senta ao meu lado.

– Você está apaixonada pelo Alex.

– O quê? — digo surpresa. —â€ŠÉ impressão sua — minto.

– Isso não foi uma pergunta, Lia. Você fica o tempo todo procurando Alex com os olhos… Com a respiração ofegante. Acho que você já percebeu que sou um bom observador — ele dá um sorriso de lado.

– Imagina, ele é só meu amigo.

Zac me olha bem nos olhos, como se me dissesse “a quem você quer enganar com essa cara de apaixonada?”.

– Por favor, Zac! Não comente nada com ele, nós somos amigos há tantos anos e eu tenho medo de ele se afastar de mim se souber disso, ou me achar uma completa idiota — desabafo.

– Pode confiar em mim, mas, Lia… eu acho que o Alex não sente a mesma coisa por você, não nessa intensidade.

– Mas nós quase nos beijamos enquanto dançávamos! Por que você diz isso? — fico desesperada com a afirmação de Zac.

– Por nada, Lia, é só uma opinião. Mas ele fala de você de uma forma mais fraternal, entende?

Nesse momento Alex vai até nossa mesa e interrompe nossa conversa, falando secamente que já estava na hora de irmos embora. Despeço-me com um abraço e um beijo no rosto de Zac, que fica extremamente vermelho. Ele me olha profundamente nos olhos e eu retribuo o olhar, o que o deixa meio sem jeito. Apesar de ser tímido (que eu realmente não consigo entender por que tem pessoas assim no mundo), tinha gostado demais daquele rapaz.

​

* * *

Dessa vez voltamos de táxi, já que Alex havia bebido um pouco. Ele abriu a porta do carro e seguimos calados até a minha casa. Quando o táxi parou na porta de casa, Alex me deu um fraco sorriso.

– Lia, depois te ligo, desculpa estar calado, mas estou bastante cansado.

– Mas está tudo bem com você?

– Não se preocupe, eu só tenho que ir.

– Mas você não quer conversar…

– Lia, por favor!

– Tudo bem… E… Então, boa noite.

Mal desço do táxi e Alex vai embora sem ao menos me dar boa noite. Tirando os saltos, entro em casa ainda sem saber o porquê daquela atitude tão grosseira do Alex e começo a sentir as primeiras lágrimas descendo pelo meu rosto.

O que aconteceu no jantar para ter deixado Alex tão aborrecido assim? Será que foi nosso quase beijo? Será que ele tem tanto nojo assim de mim? Realmente eu sou uma imbecil, sem amor próprio… Por que eu tenho que me rastejar por esse homem?

Deito em minha cama e choro até pegar no sono.

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